Mas, vamos por partes, como diria o Jack e tantos depois dele, desprovidos de imaginação. Como muitas coisas da minha vida, o Haram surgiu e cresceu na Universidade Federal de Santa Maria. Para quem não sabe (e para os que sabem, também), fiz minha graduação em Medicina da UFSM, entre 1986 e 1991. Naquela época a grande maioria dos cursos de graduação da universidade já tinham suas aulas, quase na totalidade, no campus, situado no Bairro Camobi, em Santa Maria. Era longe da cidade, na época. Era quase uma viagem para chegar ao campus. Era outro campus, também. Na foto aí acima se vê o atual "bosque da universidade", uma área do campus localizada próxima ao prédio da Reitoria, ótimo para passear e realizar caminhadas. E, antes que me perguntem, não, não foi neste bosque que o Haram nasceu. Embora tenha sido em um bosque, sim. Neste aí abaixo:
Quem frequentou o campus da UFSM na década de 80/90, certamente lembra deste bosque, o bosque do Centro de Artes e Letras, mais conhecido por CAL. O Centro, não o bosque, obviamente. Ele, agora sim, o bosque, aparece nas duas fotos acima: na foto da esquerda, tomando como referência o Prédio da Reitoria, fica no lado esquerdo a Avenida Roraima. Na foto em preto e branco, à direita, aparece o CAL antes do mural do Juan Amoreti que hoje o enfeita. O bosque está no canto, à esquerda, aquela massa de árvores altas. Situados? Ótimo. Porque o bosque não existe mais. Acredito que as árvores, altas, eram uma ameaça aos prédios vizinhos. Hoje existe um gramado naquele lugar. Nada tenho contra o gramado. Mas, nas minhas lembranças, ainda atravesso o bosque. Tenho nas narinas o cheiro das árvores. E, na memória, o que estou contando:
Bom, deve ter sido no outono, provavelmente depois de uma aula de Anatomia ou de Histologia, no Prédio 18. Na época o terminal de ônibus (sim, todos andávamos de ônibus, quase ninguém tinha carro na nossa faixa etária, entre recém maiores e desempregados) era do outro lado da rua, na calçada que, na sua extensão, levava ao Planetário. Como os ônibus saíam dali já lotados, a única chance de conseguir um lugar sentados, nos horários de maior pique, era atravessarmos o gramado entre os prédios, passar pelo lado do CAL, atravessarmos o bosque (havia calçadas, caminhos só para isso) e, atravessando a rua, chegar à fila que levava aos ônibus. Assim, descrito, parece uma epopéia, mas era só o caminho percorrido por centenas de estudantes nos anos 80.
Pois bem. Num final para meio de tarde (lembro que tinha uma sol oblíquo se filtrando entre as árvores) eu saía cansado, juntamente com uma colega que nunca soube dessa história, em direção aos ônibus. Quando passávamos pelo meio do bosque, ouvi gritos, alucinei uma sensação de perigo. Fiquei taquicárdico. Suei. Ouvi armas batendo, homens correndo, gritos de morte. A primeira cena do Haram. Ali, nos meus ouvidos. Se atrasei o passo, se parei, disso não lembro. Acho que não, porque nada me foi perguntado. Mas a impressão foi forte. Cheguei no Kowill (nome da república tri partite que fundamos, Gérson, Ito e eu, àquela época com sede no Conjunto Residencial Acampamento) e fiquei impressionado com aquilo tudo. Na minha cabeça coisas se desenrolavam. E uma frase. "Maldito". Esse foi o primeiro nome do livro. Não escrevi. Isso foi em 1986. Haram só conheceu as páginas virtuais mais de 10 anos depois. Bem depois, talvez no ano 2000. Não tenho o registro. Cenas dos livros rodearam minha cabeça, me assombrando ao longo dos anos. Com o passar do tempo, o "maldito" virou uma expressão: "maldito seja o que tudo sabe". Quem leu o primeiro volume vai fazer facilmente a conexão. Cheguei a comentar com algumas pessoas sobre o projeto, sem nunca contar exatamente o que era. Só sei que, ao sentar para escrever o Prólogo (sou péssimo em fazer rascunhos e "ajeitar textos", quando escrevo já sai tudo meio pronto, sem grandes necessidades de mudança) eu já tinha toda a história estruturada na minha cabeça. Comecei a escrever o Prólogo (na verdade um evento do quarto volume da saga, se você gosta de cronologia) já sabendo qual frase usaria nos parágrafos finais do quinto volume. Este quinto volume ainda não existe, fisicamente, enquanto escrevo este texto. Mas virá à luz, no devido tempo. Claro que personagens aparecem, me surpreendem, somem quando querem. Morrem quando resolvem morrer. Mas, em linhas gerais, a história nasceu pronta. Tenho uma certa dificuldade, um conflito íntimo, em dizer que a história do Haram e minha. Eu a conto, é diferente. Mas, às vezes, parece ter vontade própria. Algumas pessoas que o leram me disseram que já estiveram lá, pisando a grama verde dos montes marlic no verão. Não sei. Vai que estiveram mesmo?
Com toda a arrogância típica de jovens autores, certa vez expliquei que o livro era sobre um personagem fictício, nascido num local imaginário, vivendo histórias que  nunca aconteceram. Ainda poderia acrescentar: "nascido em um lugar que não existe mais". O que esperar de uma resposta destas? A pessoa nunca mais se interessou em falar comigo. Outras arriscaram. Leram. Comentaram. Parecem ter gostado. Então... aí está. Para quem tinha alguma curiosidade, é isso. Desculpe se a verdade é menos interessante do que a ficção. Mas a realidade é que as coisas aconteceram assim. Ao menos o que eu me disponho a contar. O resto, creio eu, o próprio Haram dirá, ao longo dos cinco volumes. Espero que seja divertido. Afinal, o grande objetivo ainda é conseguir contar uma boa história.
"Tá, mas de onde veio a inspiração para escrever sobre o Haram? Tem a ver com o Boko Haram?", sempre me perguntam. Não, nada a ver com o Boko Haram. Nem sabia que este movimento nefasto existia quando comecei a escrever o livro do Haram. Na verdade, quando escrevi, nem Haram existia. Foi só na hora de colocar o texto no papel (ou na tela, a figura de linguagem ainda é a mesma, arcaica, como "cair a ficha" numa época em que fichas sequer existem, quanto mais caem...) que o nome do Haram surgiu.
Haram (O Personagem) e Sua Saga